A História do Futebol Feminino no Brasil
Dá pra acreditar que jogar futebol, aqui no Brasil, já foi tratado como caso de polícia para as mulheres?
Dá pra acreditar que jogar futebol, aqui no Brasil, já foi tratado como caso de polícia para as mulheres?
Muita gente não tem conhecimento sobre esse capítulo da nossa história, mas, no chamado "país do futebol", as mulheres passaram quatro décadas excluídas oficialmente da maior paixão nacional.
E não foi só o futebol que privaram as mulheres de praticar. Halterofilismo, beisebol e lutas de qualquer natureza, por exemplo, não eram adequados para a mulher. Diziam que as práticas de contato não eram compatíveis ao corpo delas - visto que precisavam se preservar para a maternidade.
Assim estava descrito no decreto lei número 3.199 de 14 de abril de 1941: "Às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza, devendo, para este efeito, o Conselho Nacional de Desportos baixar as necessárias instruções às entidades desportivas do país."
A proibição só deixou de existir após muita luta e resistência delas em 1979. E tudo isso que aconteceu por aqui teve como base as experiências políticas autoritárias de países europeus. Proibir institucionalmente uma prática esportiva não só gerou atrasos e retrocessos no desenvolvimento da modalidade (no âmbito das competições esportivas nacionais e internacionais, organização de bases e calendários), como também comprometeu culturalmente e simbolicamente o acesso de gerações de mulheres a esses esportes, uma vez que eram considerados impróprios e "masculinizados".
Proibidas porém valentes
A proibição não impediu que as mulheres resistissem e mantivessem a prática esportiva, só que de maneira escondida e, por isso, essa parte não consta nos documentos históricos da época. Podemos afirmar que tentaram impor uma invisibilidade na história das mulheres no esporte, mas a verdade é que o silêncio não significa ausência.
Um exemplo conhecido aqui do Brasil - entre os poucos que se tem registro - é o das pioneiras de Araguari, equipe feminina organizada em 1958 e que durou pouco menos de um ano.
Localizada em Minas Gerais, na região do Triângulo Mineiro, Araguari foi palco de movimento muito atípico para a época. Ney Montes, então diretor do clube de futebol Araguari, recebeu um pedido do Grupo Escolar Vicente de Ouro Preto para que organizasse um jogo beneficente para ajudar a escola pública.
Uma peneira para selecionar as meninas foi realizada e o sucesso foi tanto que mais de 40 garotas compareceram - algumas delas escondidas de familiares. A primeira partida ocorreu em 19 de dezembro de 1958.
Sem ter outra equipe feminina disponível, o dirigente montou times A e B com as escolhidas.O sucesso foi tamanho que rendeu ao Araguari convites para atuar em jogos contra equipes masculinas em outras cidades do país. A popularidade do time foi tanta que alcançou a entidade máxima do esporte nacional na época e aí, bastou que o Decreto-Lei 3199 fosse mostrado para que o Araguari fechasse as portas.
Outro exemplo feminino de resistência é o da brasileira Léa Campos, a primeira árbitra de futebol reconhecida pela entidade máxima do futebol. Na década de 70 - quando a proibição ainda estava em vigor - Léa fez um curso de arbitragem e conseguiu licença para atuar em alguns estados. A árbitra chegou a apitar um torneio amistoso de futebol feminino no México e, no Brasil, cravou seu nome na história ao se tornar a primeira mulher a conseguir o feito de apitar jogos masculinos.
Futebol é coisa de mulher!
Mesmo com a proibição, o futebol feminino não deixou de ser praticado como lazer pelas mulheres brasileiras. Segundo Aira Bonfim, Historiadora do Esporte, até mesmo antes da proibição - por volta da década de 30 - há relatos que reforçam a presença feminina nos campos e nas arquibancadas.
"Mesmo proibido no Brasil e em outros países, o futebol de mulheres foi uma experiência de desobediência civil uma vez que, mesmo na contramão dos incentivos e da legalidade, foi praticado ao longo de décadas na maioria do território nacional e, aos poucos, atletas engajaram-se de forma associativista e militante a outros movimentos de emancipação feminina", relembrou.
As ditaduras e os decretos acabaram na teoria, mas na prática ainda há muitas barreiras para as atletas que ousam desafiar a lógica ainda tão repetida de que "esporte é coisa para homem".
Os espaços públicos ainda são ocupados, em sua maioria, por meninos. Ou seja, ainda há uma proibição simbólica existente. O que mudou de lá para cá foi a maior participação das mulheres que seguem firmes e lutando por oportunidades de tornar o jogo - seja nos gramados como atletas ou nas quadras públicas, como cidadãs - como parte fundamental de suas vidas.
Profissionais do futebol
Mesmo com a queda da proibição no final da década de 70, muitos anos se passaram até que as mulheres conseguissem disputar campeonatos oficiais organizados pelas entidades brasileiras. O campeonato nacional de futebol foi interrompido diversas vezes - por falta de interesse e apoio por parte dos clubes e confederações - e é comum ouvir histórias de descaso e falta de profissionalismo com elas.
O cenário atual já é bem melhor, mas ainda longe do ideal. O torneio nacional é realizado sem interrupções por uma década e muitos times relevantes do futebol têm suas equipes femininas, mas a diferença de investimento e tratamento em cada estado do país é gritante.
Ainda é preciso exigir mais empenho para que as mulheres possam ser tratadas como profissionais. Elas merecem ter contratos de trabalho de acordo com as leis, receber melhores salários, contar com maior engajamento dos torcedores e receber mais visibilidade da imprensa.
No próximo texto, contaremos a história da Seleção Feminina de futebol e os avanços que elas já conquistaram até os dias de hoje.
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