Uma Muralha
viva para
que
a Floresta viva
Passado, presente e futuro conectam o sonho de um grupo de mulheres de fibra que entram em campo na Amazônia para ganhar.
Em um cenário de crise climática, a SOS Amazônia atua há 35 anos para manter a Floresta em pé. Entendendo que essa responsabilidade passa por ter um olhar atento às comunidades locais, a ONG capacita grupos sociais organizados e fomenta negócios sustentáveis com base no uso da floresta. Buscando fortalecer as cadeias de valor de iniciativas locais, os caminhos da SOS encontraram a associação de mulheres baseada na comunidade de Nova Cintra, no Acre: AMURALHA.
Unidas há mais de 10 anos na luta para conquistar autonomia financeira, as mulheres da AMURALHA deram seus primeiros passos com a produção de biojoias feitas de fibras, sementes e cascas de coco encontradas nos quintais e na floresta.
Reinvestindo o valor arrecadado na Associação, o projeto foi caminhando até a chegada "de uma mão amiga que nos abraçou e nunca mais soltou" que é a forma dona Leide - fundadora e primeira presidente da associação - descreve a parceria com a SOS Amazônia.
Com a missão de "promover a conservação da biodiversidade e o crescimento da consciência ambiental na Amazônia" a SOS conta com programas em três áreas principais: 1. Áreas Protegidas e Conservação da Biodiversidade; 2. Restauração da Paisagem Florestal; 3. Valores da Amazônia, onde o projeto da AMURALHA se desenvolveu.
Juntas, elas montaram uma fábrica de sabonetes feitos com óleos de origem extrativista da região. A marca leva o nome da associação: AMURALHA.
"A parceria com AMURALHA é importante para dar visibilidade ao trabalho e ao empoderamento das mulheres que lideram a associação, muitas delas são as principais responsáveis pela geração de renda em suas famílias."
Afirma Thayna Souza, líder de programa de áreas protegidas e conservação da biodiversidade na SOS Amazônia.
Feitos com manteiga de murmuru, óleo de açaí, óleo de buriti, óleo de andiroba e óleo de copaíba, os sabonetes são vendidos no comércio local do Vale do Juruá e na capital acreana. Inserir o produto no mercado local e nacional por meio de parcerias é o principal objetivo para os próximos anos.
Muito mais que uma fábrica de sabonetes, a Associação de mulheres carrega uma história de transformação social, resistência e profunda conexão com a Floresta desde os primeiros dias. No início, elas queriam fazer parte da associação existente, mas não eram bem vistas naquele espaço, como explica dona Leide:
"Os homens não aceitavam que a gente tivesse mais voz que eles".
Apesar de terem contribuído para a construção do galpão, elas não eram autorizadas a se reunirem no local. Por isso, a primeira reunião foi feita embaixo de uma árvore, com 38 mulheres.
O nome AMURALHA carrega o significado que permanece firme dos primeiros dias até hoje:
"Não vão passar por cima de nós e nos derrubar. Somos imbatíveis."
Afirma dona Leide, que permaneceu na presidência da Associação por 12 anos.
Nataíres Ferreira do Espirito Santo, atual presidente, completa dizendo que o nome se encaixou perfeitamente na sigla que elas criaram mais à frente: Associação de Mulheres Rurais Unidas por Liberdade, Humanidade e Amor. Nataíres cresceu nas reuniões da Associação ao lado de sua mãe, Maria Francisca Ferreira, uma das fundadoras e tesoureira da AMURALHA. Hoje, Natally Lauanny Ferreira do Nascimento, de 10 anos, é quem acompanha a mãe, Nataíres, e se inspira na trajetória do grupo: "Essas mulheres são muito trabalhadoras, nunca desistiram".
Os desafios que elas enfrentaram desde 2004 foram, e continuam sendo, imensos. Sem recursos, elas chegaram a ir a pé às reuniões em comunidades vizinhas, passaram dias em viagens de ônibus, a sensação era de não serem vistas por ninguém. A superação de cada obstáculo e a consolidação da Associação para chegar onde estão hoje só foi possível porque elas sempre caminharam unidas e conseguiram proteger a ideia que foi semeada nas primeiras conferências: hoje alguns homens fazem parte do grupo, mas a direção é formada exclusivamente por mulheres.
O elo entre a geração que construiu a AMURALHA e a que está à frente hoje, é tecido por respeito, orgulho e admiração quase sagrados. Dona Leide se diz hoje praticamente uma ouvinte, dando espaço às ideias novas e à visão de futuro das meninas mais jovens. Na outra ponta, Nataíres se orgulha do que foi criado:
"Eu sei de tudo que elas passaram e batalharam pra gente estar aqui hoje. Estar aqui hoje é motivo de orgulho".
Maria Rosangela Silva de Queiroz faz parte da Associação desde o início e se coloca como uma ponte entre as gerações:
"Tenho que dar forças para quem tá entrando, se elas me virem à frente, vão me acompanhar".
"Quando a gente entra, a gente entra pra ganhar"
Depois do expediente na fábrica, é hora de relaxar, ou "brincar", como se referem as mulheres do grupo ao futebol que jogam ao lado do galpão. Unidas no trabalho, na vida e também no esporte, elas começaram a jogar com uma bola feita de seringa - isso porque os homens não cediam a elas a bola que usavam. Quando elas começaram a praticar, pegaram gosto e chegaram até a participar de alguns torneios. Nataíres garante:
"As mulheres aqui são raçudas, viu" Quando a gente entra, a gente entra pra ganhar".
Esse time de mulheres que jogam juntas cheias de confiança já está conseguindo quebrar barreiras, levando para o mundo a força feminina no esporte, na defesa da floresta e no trabalho duro. Maria Francisca, que era goleira do time, se enche de orgulho ao falar de Nataíres:
"Eu vi minha filha passando na TV com uma bola debaixo do braço. O que não aconteceu comigo, eu vejo acontecendo com a minha filha e eu digo a ela: não desiste que você vai longe".
Nataíres foi uma das mulheres a estrelar a campanha que apresentou as camisas da seleção feminina de futebol para o mundial de 2023. Representando a SOS Amazônia ao lado da engenheira florestal Elizana Araújo, ela vestiu a coleção que buscou elevar o poder da "Mãe Natureza", celebrando a biodiversidade do Brasil e da Amazônia:
"Participar de uma campanha da seleção pela Nike, fez com que mais pessoas pudessem conhecer nossa história".
Nataíres relembra as viagens que fez nesse período, quando se deu conta de que com suporte e visibilidade, a história da AMURALHA está se expandindo.
A parceria entre a Nike e a SOS Amazônia é focada na conservação, restauração e proteção das florestas. Até 2025, uma área equivalente a 200 campos de futebol será restaurada com o plantio de 400 mil árvores.
E daqui pra frente?
Dona Leide diz que "tem gente que sonha pequeno, tem gente que sonha grande", e na AMURALHA as mulheres estão sempre pensando no próximo passo para realizar o sonho que trilham juntas.
"Além de oportunizar a inserção das mulheres no mercado de trabalho, a AMURALHA se configura como um espaço onde as mulheres não apenas são ouvidas, como também participam dos processos de tomada de decisão."
Diz Thayna, da SOS. A ideia agora é fundar uma cooperativa de mulheres, o que vai trazer mais segurança e aproximá-las do objetivo de ter uma fonte de renda sólida e sustentável.
"AMURALHA vai permanecer, mas queremos crescer."
Diz Maria Francisca, que vê na própria família a continuidade do legado:
"Hoje minha filha é a presidente, quem sabe mais pra frente a filha dela será a presidente".
O esporte é uma ferramenta poderosa de transformação social e, conectado à defesa da floresta, tem sido uma plataforma para promover o bem-estar, a consciência ambiental coletiva, os laços comunitários e a valorização dos recursos naturais. A história da Associação de Mulheres Rurais Unidas por Liberdade, Humanidade e Amor mostra que a confiança umas nas outras é o que as torna mais fortes para trilhar seus caminhos em direção ao futuro, arraigadas no que foi construído até hoje. Sobre quem são as mulheres da AMURALHA, Nataíres define:
"mulheres fortes e guerreiras que não estão aqui para desistir e sim para continuar o sonho da dona Leide"- e de tantas outras mulheres brasileiras.